Experiência de Cuidado em Saúde Mental de profissionais da Atenção Primária à Saúde

Região: São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil.
Local e população: Experiência realizada pela equipe NASF-AB da UBS Jardim Planalto através dos profissionais psicólogo e fonoaudióloga com os profissionais da referida UBS, participando profissionais da limpeza, Agentes Comunitários de Saúde, Médicos (as), Enfermeiras, Auxiliares e Técnicos de Enfermagem, profissionais de Saúde Bucal (técnicos e auxiliares de saúde bucal e dentistas), Zoonose, administrativo, recepção e gerente da UBS.
Contexto e problema que motivou o desenvolvimento da experiência: A pandemia do novo corona vírus trouxe muitos impactos na vida das pessoas em todo mundo. O recorte que fazemos aqui é relacionado aos profissionais da saúde que, neste momento aparecem como figuras centrais dentro deste contexto e, mais que serem homenageados e vistos como heróis, precisam de cuidados que, dentre vários citamos EPIs, garantia de direitos, principalmente trabalhistas e também o cuidado com sua saúde mental, o qual é o ponto em que se dá essa experiência. Muitas pesquisas e estudos estão sendo desenvolvidos recentes ligados diretamente à questão da pandemia e o impacto na saúde mental dos trabalhadores da saúde. Portanto, por estar inserido em um equipamento de saúde e perceber a necessidade que surgiu, oferecemos o espaço de escuta, acolhimento, reflexão e troca para os profissionais que aqui trabalham. Com a chegada da pandemia no território brasileiro, muitas medidas foram adotadas com o objetivo de minimizar o contágio e a disseminação do vírus e dentre estas a quarentena, que para o trabalho da UBS, diminuiu consideravelmente o volume de trabalho, deixando os profissionais com mais tempo ocioso. Neste contexto de menor volume de trabalho e as questões relacionadas à saúde mental se avizinhando, foram ofertados espaços de cuidado com PICs (Práticas Integrativas Complementares) como Dança Circular, Liang Gong, Reiki, alongamento, Moxa, acupuntura e aromaterapia e também os grupos de escuta conduzidos pelos profissionais do NASF.Os grupos iniciaram na primeira semana do mês de Abril e não foram interrompidos até o momento. Participam destes grupos de escuta e reflexão cerca de 55 profissionais divididos de forma espontânea conforme disponibilidade de participação.
Objetivos e descrição das ações realizadas: O objetivo principal da experiência foi realizar um intervenção precoce, na qual muitos dos sentimentos negativos que surgem em um contexto de pandemia pudessem ser atenuados, dentre eles o medo, a ansiedade, a falta de perspectiva, incertezas e, se tratando de profissionais da saúde, o estigma, a fantasia de ser um vetor e contaminar a família, o preconceito, entre outros, e também, proporcionar um momento de troca de experiência na qual fora possível vivenciar uma nova experiência de contato e troca.As equipes de Saúde da Família são compostas por um médico de Família e Comunidade, um enfermeiro um ou dois técnicos/auxiliares de enfermagem, ACS (Agentes Comunitários de Saúde) e equipe de saúde bucal (dentistas e técnicos e auxiliares de saúde bucal) responsáveis estes por um determinado número de pessoas os quais os tem como referência para seu cuidado emsaúde, estipula-se de 4.000 a 5.000 pessoas para cada equipe. O NASF-AB (Núcleo Ampliado da Saúde da Família e Atenção Básica) é comporto por profissionais de diversas áreas que tem como objetivo dar suporte técnico e assistencial às equipes de Saúde da Família através de discussões de caso, consultas compartilhadas, visitas domiciliares compartilhadas, entre outras intervenções. Diversas especialidades compõem essa equipe, psicólogos, assistente sociais, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, etc., variando a quantidade de profissionais de acordo com a quantidade de equipe de uma UBS.Os grupos de escuta foram realizados em uma sala que garantiu a biossegurança, o sigilo e confidencialidade dos participantes. Os grupos foram mistos participando no mesmo momento diversas categorias profissionais, estando no mesmo espaço, por exemplo, médicos, auxiliares/técnicos de enfermagem e saúde bucal, o que trouxe maior riqueza e diversidade nas reflexões.Inicialmente os grupos foram conduzidos com perguntas previamente elaboradas, todos os grupos seguiram a mesma ordem de duas perguntas por encontro sendo: 1º encontro “Qual meu sentimento neste momento?” e “Quais ferramentas (subjetivas) eu tenho para lidar com esse momento?”, 2º encontro “O que tenho feito para cuidar da minha saúde mental?” e “O que esse momento pode nos ensinar?” e 3º encontro “O que vou valorizar e não posso perder quando isso passar?” e “Qual mundo eu quero quando a pandemia passar?”, o quarto encontro seria um fechamento e avaliação, mas como a quarentena vem se estendendo, os grupos continuaram e assim pudemos falar sobre sonhos e qualidade do sono, mudança de sentimentos frente à pandemia, questões políticas que interferem diretamente nas intervenções de combate ao corona vírus, como estão percebendo e sentindo a passagem do tempo, entre outros assuntos que cada grupo acabou por trazer para reflexão conforme fora criando sua identidade.
Conquistas obtidas e principais facilitadores da experiência: O fato de não haver desistência e sim uma assiduidade nos grupos (profissionais que estavam de folga vieram a UBS para participar do grupo) denota que fora criado um espaço de um vínculo satisfatório, de falas espontâneas e que cumpre seu objetivo inicial, de Cuidado em saúde mental.Ofertar um espaço de escuta para os profissionais da saúde já proporciona por si só um momento que poucos vivenciaram em sua trajetória de trabalho, no qual possa falar tranquilamente de seus medos, angústias, dificuldades e também conquistas, reconhecimento, etc. Tudo isso junto proporcionou, na fala dos próprios participantes, que esses pensamentos e sentimentos negativos foram sim atenuados. Falas sobre se aproximar mais dos colegas e perceber que estão vivenciando sentimentos parecidos foi confortante, uma troca que gerou uma experiência transformativa. Podemos citar como fatores facilitadores a disponibilidade dos profissionais em participar, entendendo o espaço como necessário para mitigar suas angústias, a baixa demanda de atendimentos que proporcionou o tempo necessário para a participação e também a compreensão por parte da gerente da UBS em validar, participar e incentivar a realização dos grupos.
Condições ou fatores que dificultam as atividades: Em alguns momentos, o surgimento de uma demanda espontânea de atendimento ou uma solicitação oriunda da gestão impediu a realização de alguns grupos de maneira pontual, ou a participação de algum profissional que foi demandado naquele momento e se ausentou da atividade.
Análise da experiência – Principais aspectos a destacar: Estamos tratando de uma experiência singular por conta da vivência de uma pandemia e, neste sentido o grupo tornou-se uma oferta de um espaço no qual o profissional da UBS pode compartilhar seus sentimentos, ideias e também conhecer melhor seu colega de trabalho, situação que enquanto o trabalho se desenvolvia anteriormente não havia esse momento de aproximação e troca.Ressalto aqui que situações mais complexas surgiram nos grupos, acredito que através do vínculo e confiança no espaço, questões como violência doméstica e ideação suicida apareceram e foram cuidadas, talvez no dia-a-dia do trabalho isso não seria possível.Trata-se de uma ação na qual os executores e participantes estão no mesmo local de trabalho, onde existe um vínculo anterior assim como respeito profissional, se se soma a uma necessidade que surge no contexto da pandemia e também o incentivo da gerência da UBS Conforme a intervenção foi se desenvolvendo, a adesão e a maneira como os participantes se apropriaram do espaço, pedidos e reflexões a respeito da continuidade dos grupos com arranjos que contemplem novas adequações por conta das atividades da UBS já se faz presente, o que demonstra um caminho de um espaço permanente. Ressalto aqui que através de um acordo entre profissionais e gerente da UBS, os encontros acontecerão com frequência mensal.Uma vez que os participantes relatam que a participação os fez repensar a maneira como estão lidando com o contexto da pandemia trazendo uma mitigação dos sentimentos negativos, isso reverbera em suas ações, seja no contexto do trabalho, seja em suas vidas particulares. Outra questão é poder compartilhar com outros colegas uma experiência valiosa e esta ser multiplicada outros equipamentos de saúde a aumentar a abrangência desse cuidado. A partir do momento que muitas fantasias a respeito do que é desconhecido em relação ao vírus em seus diversos impactos, seja na saúde física, na saúde mental, na economia, são abordados nestes grupos e poder desconstruir essas fantasias negativas e perceber que o sentimento compartilhado é comum e esperado, o impacto positivo é o que permite aliviar angústias, diminuir a ansiedade e se colocar em um espaço no qual possa viver uma experiência na qual o compartilhar é transformador.
Autoria:
- Daniel Scurato – Psicólogo – NASF-AB, UBS Jardim Planalto – [email protected]
- Patricia Perina Mizukami – Fonoaudióloga – NASF-AB UBS Jardim Planalto – [email protected]